sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ele e eles


O jornal de ontem estava em suas mãos, frias, com alguns calos, mãos ásperas, já tremulas pelo cansaço da vida. Sentado naquele banco, ele continuava. Naquela praça, o banco ficava já próximo à calçada, a grama verde o cercava, ainda estava com gotículas de orvalho da madrugada fria que passara por ali.

O sol despontava, seus raios atingiam levemente os poucos fios grisalhos daquele senhor que se vestia, como se não houvesse feito frio algum. Apesar de sua camisa de manga longa, xadrez, em tons de cinza, o tecido não era nada espesso, nela haviam apenas quatro botões, um deles estava pendurado apenas por uma linha branca. Sua calça era modelo social de bolsos fundos, dava para notar que havia um lenço branco em seu bolso direito, tinha uma ponta que estava à mostra, dava a sensação de que havia sido usado a pouco. A calça marrom cobria metade de seus sapatos pretos, meio acinzentados pela poeira e orvalho.

Seu semblante estava com um ar feliz, satisfeito com a vida, grato por tudo. Posso estar errada, mas era difícil se fazer enganar por aquele rosto tão sereno. Não haviam sinais de vícios, ou apego a alguma coisa, parecia ser lúcido o suficiente para entender que a vida prega muitas peças e que nela só estamos para aprender.

A cidade estava acordando, pouco a pouco tudo ia tomando o seu lugar, carros iam surgindo, pessoas passando, vendedores montando suas barracas, o pipoqueiro se ajeitou em seu canto, as pipas já seguiam cortando o céu azul, dando cor aquela paisagem, as gotas de orvalho já estavam caindo, algumas já tinham até secado, o cheiro de café coado percorria aquela rua, os pães frescos saiam da fornalha. Aquele homem continuava sentado naquele banco, na praça, folheando o jornal.

Uma criança de mais ou menos quatro anos, um menino de olhos e cabelos claros se aproximou daquele homem com um pedaço de pão com manteiga nas mãos embrulhado num saquinho de papel marrom, já com a metade a mostra. O homem percebendo que o menino queria sentar-se naquele banco ao seu lado, tratou logo de enrolar seu jornal e passou no assento a modo de espantar dali alguns insetos e algumas folhas secas e pôs o menino ao seu lado. A mãe do menino o olhava de uma certa distância com seu outro filho nos braços, parecia ser de classe média alta, o olhava com satisfação e alegria.

O homem desdobrou seu jornal com delicadeza para que não amassasse mais e nem rasgasse, voltou a fixar seu olhar nas notícias. O menino o observava quieto, rasgou um pouco seu embrulho, partiu ao meio o pão que o alimentava e o estendeu ao homem, que com os olho marejados o pegou daquela mãozinha tão branca e delicada, agradeceu ao menino, olhou para sua mãe e fez o mesmo gesto de agradecimento. O menino saiu correndo em direção a mãe, eles seguiram caminhando pela praça até que deixou perder-se de vista.

Ele sempre ficava sentado naquele banco a fim de ver sua filha e seus dois netos, todos os dias. Mas ela não sabia que ele era seu pai e avó de seus dois filhos, ele só queria observar, só olhar por mais um dia o rostinho lindo daquela criança, olhar por mais um dia o semblante calma e delicado de sua filha, que ele já não tocava a mais de vinte e dois anos.

O homem continuou ali, sentado, puxando na memória a feição dos três, relembrando o ocorrido naquela manhã tão ensolarada, deixou de ser fria e tornou-se aconchegante e quente em minutos. Continuou ali, agora a cantarolar sozinho, levantou-se e deixou-se perder de vista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário